Mergulho num novo início

Por patrícia nb - raio de seda

Mergulho num novo início

Antes que o Sol brilhe, vigoroso, no nosso interior, o início deste ano astrológico - a Primavera do hemisfério norte - implica uma imersão, um mergulho. Antes que possamos emergir - com vitalidade, motivação e determinação - precisamos gerir bem o salto e o nosso fôlego, sustido em apneia, para tocar o fundo de nós mesmos e das situações, observando e conhecendo esse mundo onde a luz é mais ténue ou quase ausente. Ao regressarmos à tona, daí poderemos trazer um olhar mais límpido, uma visão renovada, sem a qual o sentido de um novo início se diluiria, um ano mais, num ciclo de repetições.

Por vezes quando nos são trazidas limitações, o nosso olhar interioriza-se e revela novos panoramas onde menos se esperaria. Uma paisagem desconhecida aguarda o momento em que resolvemos espreitar para dentro, sem nenhuma intenção em particular e sem expectativas. Foi o caso relativamente à fotografia escolhida para este artigo. *

Quíron e o signo de Peixes marcam fortemente o ingresso do Sol em Carneiro deste ano. A energia forte e vivificadora, simbolizada pelo Sol sempre que transita esse signo de fogo e de exaltação das qualidades solares, apresenta-se como que filtrada e velada neste arranque do novo ciclo anual por alguns processos dolorosos – no mínimo desconfortáveis – e uma acentuada sensibilidade, não só ao presente como, principalmente, às marcas visíveis e invisíveis do passado.

Esta condição põe à prova a capacidade de nos abrimos ao presente e ao futuro com receptividade e neutralidade, sem projectar – tanto consciente como inconscientemente – pensamentos , expectativas e comportamentos determinados, maioritariamente, pela experiência já vivida e por observação/comparação com os outros e o mundo em torno. Ou seja, em vez de uma genuína abertura prospectiva à revelação de novos padrões – assim somos pressionados interiormente pela luz simbolizada por Plutão em Aquário – esperamos mais do mesmo ou desejamos o seu oposto, ficando aprisionados em ciclos repetitivos: na esperança de algo bom que, em tempos, vivemos; no receio de algo mau que, em tempos, nos feriu; na angústia de perder o que valorizamos; no stress para conquistar mais daquilo que nos agrada (ou algo que observamos noutros e nos falta); no esforço controlador para manter à margem tudo o que julgamos como negativo e o que, para nós, representa estranheza e ameaça.

O filtro e o véu que se interpõem estão bastante centrados em movimentos a partir do nível insconsciente, manifestados sob a forma de padrões reactivos práticos, emocionais e mentais que estão condicionados por estratos ocultos da memória e por movimentos da psique coleciva. A acentuação de desejos e frustrações, carências e medos ou ilusões, por exemplo, deriva também da falta de processamento e de aceitação de certas características, facetas e qualidades pessoais que fomos rejeitando, reprimindo e negligenciando ao longo de bastante tempo: ao longo de 7, 15, 30 anos ou mais de densificação da nossa sombra. Até que agora ela nos assombra, a não ser que nesse devir tenhamos passado por etapas efectivas de transformação pessoal. Nesse caso não seremos tão assombrados quanto assustados, ou deslumbrados, na relação com o nosso poder e com o potencial, criativo e lúcido, da consciência interior que tenta encaminhar-nos para algo deconhecido e libertador.

Em qualquer dos casos, o processo de depuração e amadurecimento psíquico é incontornável. Por um lado Saturno – o senhor do karma – transita Peixes, desde Março de 2023 até 2025/26, e responsabiliza-nos 24 horas sobre 24 pelo desenvolvimento de inteligência emocional perante situações de difícil gestão. Por outro, Neptuno tem lentamente percorrido este mesmo signo desde 2011/12, estando agora na recta final que conduz, igualmente em 2025/26, ao seu ingresso em Carneiro. Nestes últimos graus, o trajecto por Peixes pode ser associado à condensação de vários aspectos desgastantes e intoxicantes, levando a um certo grau de exaustão, vazio e desânimo. Ou talvez, pelo contrário, corresponda a um subtil, mas inabalável, preenchimento de fé, de gratidão e a um sentimento de propósito maior, que nos amparam e curam, como um elixir vital. Tudo depende da atitude desenvolvida, passo após passo, ao longo do caminho já percorrido.
Se o nosso coração fosse um cálice, a vivência destes últimos 12/13 anos seria responsável pelo que nele viemos acolhendo. Ideiais, utopias, aspirações e inspirações, chamamentos profundos e silenciosos, espiritualidade? Que trajecto têm manifestado as nossas crenças, valores, escolhas e acções? Do que enchemos o nosso cálice até agora?

Abril: eis o mergulho

Marte, regente de Carneiro, transitava o final de Aquário no dia 20 de Março (o salto) e dois dias depois ingressou Peixes (o mergulho em apneia). Portanto o dinamismo e acção típicos do primeiro signo zodiacal desenvolvem-se inicialmente de forma pouco expressiva e evidente, enquanto Marte mobiliza certas correntes interiores, emocionais e ocultas, pouco ou nada visíveis à superficie, a não ser por indicar a manifestação de situações dramáticas que levem a fortes catarses emocionais e mentais.

O novo início, com a respectiva renovação anual da luz/clareza e do calor/poder vitais solares dependem dessa incursão nas camadas mais profundas e ocultas de cada um e também do processo de travessia de uma crispação dos estratos sedimentados pela experiência que, agora agitados por acontecimentos e circunstâncias desafiantes, turvam temporariamente as águas.

Ao atravessar Peixes, Marte fará conjunção com Saturno no dia 10/04 e com Neptuno a 29/04, aspectos que se formaram, no passado mais recente, em Abril e Maio de 2022.

Enquanto estivermos mergulhados, é necessário articular um movimento que facilite algum tipo de avanço sem reforçar desnecessariamente a agitação já presente e sem acentuar a nossa vulnerabilidade. O oxigénio é escasso e não é possível de imediato tomar novo fôlego. Portanto a capacidade de reconhecer ou definir verdadeiros focos de acção dentro do que estiver desde já ao nosso alcance, é uma opção sensata de preparação para o que se seguirá e de mobilização inteligente das reservas de ar nos pulmões.

O cálice transborda

O enquadramento do primeiro mês primaveril, acompanha processos sensíveis e delicados com a culminação do psiquismo individual e colectivo desta primeira época de eclipses do ano – lunar a 25/03 e solar a 08/04 – incidindo no eixo de Carneiro-Balança e pontuada pela proximidade dos Nodos Lunares e do Sol com o asteróide Quíron. Pessoas com planetas e/ou eixos nesses signos poderão viver mais intensamente todas estas questões.

As arestas, contrastes e fricções na dinâmica geral dos relacionamentos interpessoais e grupais estão acentuados, evidenciando a necessidade de moderar, dialogar e encontrar um novo equilíbrio entre os distintos pólos ou facções envolvidos em cada situação. A escalada destes contextos frágeis e desgastantes, ou indefinidos e confusos, foi incrementando especialmente desde o último trimestre de 2023, chegando agora a pontos críticos, bem patentes na nossas condições físicas e materiais, nas situações concretas e questões objectivas do nosso trajecto actual, como uma gota que fez transbordar o cálice.

No que diz respeito ao panorama mundial, cada vez mais nos afundamos no limiar de um conflito alargado, de vórtices de violência e genocídio, no (des)equilíbrio precário entre movimentos bélicos e acções diplomáticas. A dor do mundo aumenta, muitas pessoas, grupos, povos inteiros e todos os reinos deste planeta sofrem o caos, o desequilíbrio, a violência e a entropia de modo crescente.

Do ponto de vista pessoal e subjectivo, a nossa psique está cheia e incapaz de conter algo mais, algo novo, sem que transbordemos e nos purifiquemos. Ao transbordarmos pela positiva, doamos algo adequado e necessário ao mundo em torno. Ao nos purificarmos, transbordamos negativamente, isto é, esvaziamo-nos do que é obsoleto, tóxico e contrário aos estímulos trazidos pelas nossas tomadas de consciência e por eventuais impulsos intuitivos.

Portanto, estamos todos nesse transbordamento, tanto positiva como negativamente, bastante reactivos e susceptíveis se algo ou alguém pressionar o seu dedo sobre uma ferida ou cicatriz que ainda não tenha sarado completamente. Se não sofrermos nós em primeira pessoa, alguém à nossa volta atravessará agora esse sofrimento, desafiando-nos a encontrar a neutralidade da verdadeira compaixão, ou seja, a capacidade para sermos guiados por um amor elevado, altruísta e desinteressado, na direcção que corresponde às necessidades evolutivas desse ser e do todo que nos reúne.

Fazer o melhor que pudermos de acordo com a nossa consciência interior, sem esperar nada em troca, sem ambicionar este ou aquele resultado: esta atitude pode não trazer nada de aparentemente benéfico ou gratificante para a nossa personalidade mas é a que mais salvaguarda a possibilidade de encontrar paz, harmonia e simplicidade em cada situação.

As muitas faces da cura

Fragilidade, dor, adversidades e doenças são faces da mesma moeda e, de acordo com a activação recente do ciclo proposto pela conjunção de Quíron com o Nodo Lunar Norte – em Fevereiro passado – um caminho de cura é ampliado a partir deste novo ano astrológico, tão complexo e instável.

A abertura a padrões inéditos de consciência, vida e sintonia interior tornam-se mais acessíveis quanto mais encontrarmos aceitação e serenidade na relação com tudo o que é difícil e vulnerável em nós e à nossa volta.

Quíron em Carneiro é a ferida do ego que, plasmado na experiência limitada, dual, oscilante e contraditória da existência, se sente sozinho e espartilhado na personalidade. É a dor de abrir passagem, sofrendo golpes, rasgando máscaras e derrubando defesas egoicas, para que a energia interior se manifeste e irradie. É a cura de um pequeno eu cujos conflitos o aproximam da rendição ao poder criativo e dinâmico de um eu maior.

A retrogradação de Mercúrio em Carneiro

Mercúrio, enquanto agente mediador dos opostos, enquanto gestor dos processos psíquicos e guardião-tradutor-canal da visão interna através da personalidade, acompanha este contexto passando pelo seu primeiro periodo de retrogradação, que abrange o arco entre os 15º e 27º de Carneiro, de 1 até 25 de Abril. Importa lembrar que a última das funções acima mencionadas corresponde ao seu domicílio esotérico em Carneiro, signo onde decorre esta primeira retrogradação de 2024. Isto significa que passamos agora por uma fase de reflexão, revisão, retoma e reorganização, potencialmente facilitadora de acertos e da reunião de condições para verdadeiramente avançar. Como um atleta que aquece, se concentra e posiciona antes do sinal de partida.

Talvez o sentimento de urgência dos últimos meses nos tivesse levado a arranques prematuros; ou o arrastamento mais passivo e indolente de situações que pediam resposta já há algum tempo, nos tivesse apanhado impreparados perante circunstâncias inesperadas, com algum impacto traumático, obrigando-nos a regenerar e encontrar nova motivação para recomeçar e recuperar o tempo perdido. São aprendizagens e purificações necessárias e nada melhor do que as retrogradações para assimilá-las.

Se tivermos em conta os periodos de sombra da retrogradação, durante os quais Mercúrio efectuará por completo a sua conjunção a Quíron em três passos, todo o período entre 19 de Março e até 13 de Maio nos solicita no sentido de ajustar, optimizar e afinar os nossos planos e procedimentos, resolver problemas pendentes, fechar assuntos, com coragem e determinação, abrindo caminho para pequenos passos de descondicionamento e a simplificação da vida, dentro de certos limites e condições, perante os quais pouco mais podemos desenvolver do que aceitação e flexibilidade para continuar na busca persistente de melhores horizontes.

É um percurso de cura na prática e pela prática. Precisamos de amor com ‘a’ grande, de um dinamismo terapêutico, conciliador e de nos impulsionarmos activamente para ir ao encontro do que mais nos aproxima do âmago do nosso ser.

Se, dentro de si, partida e meta já forem vividas como aspectos distintos de uma única coisa, a vitória do atleta é certa. Por muitos caminhos e reinícios que a Lei do Karma o obrigue a percorrer, a realidade espiritual e cósmica engloba tudo. Dando o seu melhor, na expressão mais plena e autêntica das suas características e potencialidades, unificando as suas forças como o vértice de uma seta, não importa em que lugar cruzará a meta, nem sequer se chegará a cruzá-la. Importa apenas que agiu nesse sentido, como fiel executor da sua própria fonte.

Emergir

O regresso intenso à tona será efectuado, nalguns casos subitamente – como por um instinto de sobrevivência que levasse a movimentos involuntários -, no contexto da conjunção de Júpiter e Urano em Touro, que ocorrerá no dia 21/04, pouco antes da lua cheia de dia 23. Estes dias, de acordo com a natureza dessa fase do ciclo lunar, tornarão aparentes as questões que tiverem sido energizadas pelo eclipse solar do dia 8 de Abril.

De modo mais ou menos consciente, voluntariamente ou não, as formas, hábitos e condições já conhecidas e estabilizadas voltam a sofrer um abanão e as ameaças à paz, estabilidade e segurança em diversos contextos poderão acentuar-se novamente, a par com uma potencial abertura para caminhos insuspeitados ou inéditos de progressivo entendimento e recuperação. Talvez por compreendermos que algumas mudanças, embora difíceis, são o caminho possível para um horizonte melhor.

Reinicia-se um ciclo de abertura e expansão intuitivas para alguns de nós e, para todos, um crescendo de aprendizagens que não dispensam a instabilidade e descontinuidade de muito do que considerávamos sólido, seguro e garantido. Nada que Urano não nos tivesse já vindo a mostrar desde que ingressou Touro, em 2018/19.

Somos desafiados a actualizar o formato de algumas das nossas crenças, a definição da nossa escala de prioridades. Somos atraidos ou instigados para mudar alguns hábitos e rotinas e para redefinir o que representa qualidade, estabilidade e segurança na nossa vida, com uma visão centrada no presente e ancorada nas orientações interiores da nossa consciência, para um fortalecimento da nossa arte da paz.

Consoante trilhemos ou não o caminho sincero e dedicado de busca da cura, este ciclo anual será um passo de avanço e de superação dos obstáculos à nossa própria regeneração ou, a mera reiteração de velhas histórias, ainda que em novos cenários e com novos figurinos. No final deste ano, a retrogradação de Marte coincidirá com algum tipo de retorno ligado aos impulsos que agora pusermos em movimento. O que semearmos começará a dar mostras de afundar as suas primeiras raízes e abrir as primeiras folhas ou, se nada germinar, incitar-nos-á a insistir na sementeira.

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No próximo dia 13/04, o encontro aberto ágora 05 “Mergulho num novo início” irá tocar e desenvolver o tema do salto e do mergulho. Se quiser juntar-se a nós, as inscrições estão abertas aqui. Seguir-se-á, em data a agendar, o encontro 06 dedicado à conjunção de Júpiter e Urano.

Novos panoramas revelam-se quando menos se espera (nota acerca da fotografia deste artigo).

Foi isso que aconteceu há uns dias atrás – aliás no dia da conjunção de Sol com Neptuno – por eu partir à descoberta, percrustando um mundo novo com o mais inesperado dos telescópios, num rasgo de espontaneidade lúdica vindo do nada. Depois de terminar uma refeição, simplesmente peguei no canudo entrançado onde se guardam os pauzinhos e espreitei, feita criança, lá para dentro. E eis que fui transportada da nossa mesa da cozinha para uma espiral de pontos luminosos. Nessa mesma altura percebi que esse momento revelador se ligava ao que tinha para partilhar aqui, como reflexão acerca do presente. Desde que me lembro, sempre acreditei que a aparência do mundo oculta uma realidade mais profunda, desconhecida e misteriosa, e fui tentando várias formas de aceder ao outro lado das coisas. Como sinto que essa faceta de exploradora do invisível é algo bastante autêntico, momentos como este têm, para mim, um carácter terapêutico instantâneo e então decidi partilhá-lo convosco.

Abraço fraterno e até breve.

As inscrições para este evento já fecharam. Pode pedir o acesso à gravação deste e outros encontros através da página de arquivo do projecto ágora. Obrigada pelo seu interesse.

mapear o céu por dentro

Qualquer sentido interior é um sentido para um sentido.

Novalis

raio de seda

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patrícia nazaré barbosa

Activa na vertente de aconselhamento baseado na astrologia psicológica e transpessoal desde 2010. É uma 'astróloga acidental' que deu por si, enquanto tal, decorrendo da sua busca de auto-observação, compreensão e transformação pessoais para além do sistema de crenças que conhecera até então. Iniciou estudos aos 33 anos, a par com a prática como artista plástica, área na qual é licenciada pela FBA-UL. Consolidou a sua formação de base em 2007-2011 (CEIA, João Medeiros), com aprofundamentos posteriores em diversos contextos e estudo contínuo como auto-didacta. Encontra referências complementares no âmbito da Psicologia Jungiana, da Psicosíntese e no enquadramento filosófico-espiritual da Cosmosofia. São a própria prática e a abertura ao nível intuitivo que melhor a têm ensinado a ir ao encontro de quem a consulta mas valoriza bastante os intercâmbios, sinergias e colaborações que vão surgindo junto de outros praticantes e profissionais. [N. Santarém, 1974] É membro da ASPAS e da ISAR.

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